terça-feira, 31 de outubro de 2017

Exposição "Faces" encanta os cariocas





Depois de dois meses ocupando o Espaço Furnas Culturalem Botafogo, a exposição Faces, do fotógrafo baiano Alvaro Villela, se despede do Rio de Janeiro com a sensação do dever cumprido: além da resposta positiva do público, que compareceu em grande número, a proposta foi compreendida integralmente, a julgar pelo interesse e entusiasmo das pessoas nas visitas guiadas, algumas das quais com a presença do autor.

Apresentado 15 expressivos e reveladores retratos em preto e branco de habitantes de comunidades quilombolas de Barra e Bananal, na Chapada Diamantina, na Bahia, além de uma carta de alforria do século 19, Faces, segundo Alvaro Villela, dialogou facilmente com o público carioca: “Eles enxergaram e sentiram a exposição, uma vez que, além das imagens, a proposta sinestésica, que reproduzia sons ambientes captados nas noites dos quilombolas, associadas à disposição da luz, garantiu o êxito de um projeto que se apresenta também como uma instalação”.

Ainda segundo Villela, não somente os cariocas, mas acho que qualquer um no Brasil, diante das dificuldades vividas, entende o sentido da proposta, que se pauta na resistência através da busca de uma identidade: “O Rio de Janeiro é formado por muitos quilombos simbólicos, como se percebe nos morros e na vida da sua própria gente, muito cara às suas tradições, o que criou uma interação fácil com a nossa proposta”.

Ainda segundo Villela, independentemente do seu valor artístico, Faces se faz, queira ou não, um grito de alerta diante da grave instabilidade política pela qual passa o Brasil, que dá sinais de retrocesso na aplicação de projetos e ações reparatórias que privilegiavam indígenas e descendentes de escravos, por exemplo. “Há pouco mais de quatro meses, na Chapada Diamantina, foram assassinados seis moradores de comunidades quilombolas, crime que entrou apenas nas estatísticas”, diz.

Assim, em tempos nos quais importantes temáticas envolvendo a questão do povo negro no Brasil ganharam os holofotes, como foi o caso da celebração ao escritor carioca Lima Barreto, homenageado recentemente na Flip, em Faces, questões artísticas à parte, vai estar exposto um lado da tragédia, com toda a complexidade que a cerca.

Fotógrafo etnográfico, como comprova o seu projeto desenvolvido junto aos índios pankararé, do Raso da Catarina, no sertão da Bahia, entre outros, ainda que não goste de se sentir aprisionado por rótulos, Alvaro Villela aproximou-se das comunidades quilombolas da Chapada Diamantina em 2007 no intuito de entender e documentar suas tradições culturais e religiosas e verificar se elas ainda preservavam traços ancestrais.  

No entanto, diante da percepção de que tais heranças foram diluídas no interior de certos maneirismos, inclusive com a presença de religiões que não eram de matriz africana, Villela vislumbrou no retrato uma forma de discutir tal distanciamento da cultura ancestral.

Após anos de interação com as comunidades, ele improvisou um estúdio na casa de uma moradora entusiasta do projeto. Apesar da resistência inicial e utilizando-se de um fundo negro e da iluminação gerada por uma tocha, fotografou residentes de todas as idades, os quais acabaram se rendendo ao se verem retratados.

Passados 10 anos desde a primeira incursão de Alvaro Villela nos territórios quilombolas, a exposição no Rio de Janeiro, não apenas pela força das suas imagens, como também pelas dificuldades e desafios enfrentados por tais comunidades, funcionou como um ato de resistência e de afirmação de certos valores do povo negro, que ainda hoje busca um espaço digno no Brasil.

Apesar de consciente do viés antropológico e sociológico da exposição, Alvaro Villela também destaca em Faces o seu sentido enquanto expressão artística contemporânea, sinestésica, de uma composição que ganha força a partir da percepção de quem elaborou e construiu as imagens juntamente com o desprendimento de quem pousou, de quem invocou através da expressão uma ancestralidade perdida.



FACES: Até dia 29 de outubro. Espaço Furnas Cultural, R. Real Grandeza, 219 - Botafogo. Tel.: (21) 2528-3112. De terça a sexta das 14h às 18h, sábados, domingos e feriados, das 14 as 19h. Entrada grátis. https://www.facebook.com/exposicaofaces/